Identificação
Acórdão 5860/2009 - Primeira Câmara
Número Interno do Documento
AC-5860-37/09-1
Grupo/Classe/Colegiado
GRUPO II / CLASSE II / Primeira Câmara
Processo
018.881/2007-0
Natureza
Tomada de Contas Especial
Entidade
Órgão: Município de Simão Dias - SE
Interessados
Responsáveis: José Matos Valadares, ex-prefeito. Carla Priscila da Costa, Josefa Farias dos Santos, Sônia da Silveira, Jacqueline Silva Souza e Santos, Jilvano Nunes de Santana, Zenaide Felix da Silva, Júlia de Carvalho Oliveira, Viação Shalon Ltda DENÚNCIA. PROGRAMA NACIONAL DE APOIO AO TRANSPORTE ESCOLAR (PNATE). IRREGULARIDADES NA CONTRATAÇÃO DE TRANSPORTE ESCOLAR. INSPEÇÃO. AUDIÊNCIA. DÉBITO. CONVERSÃO EM TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. CITAÇÃO. REJEIÇÃO DAS ALEGAÇÕES DE DEFESA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RECOLHIMENTO DO DÉBITO. MULTA DO ART. 58 DA LEI 8443/1992. ATOS DE GESTÃO. AFASTAMENTO DA EMPRESA VIAÇÃO SHALON LTDA. DA JURISDIÇÃO DO TCU. NÃO RECONHECIMENTO DA BOA FÉ. CONTAS IRREGULARES. MULTA
Assunto
Tomada de Contas Especial
Ministro Relator
Walton Alencar Rodrigues
Representante do Ministério Público
Lucas Rocha Furtado
Unidade Técnica
Secretaria de Controle Externo - SE (Secex-SE)
Advogado Constituído nos Autos
Antônio Militão Silva, OAB/SE 856
Dados Materiais
Apenso: 018.881/2005-3
Relatório do Ministro Relator
Trata-se de tomada de contas especial instaurada por conversão de processo de denúncia de irregularidades na aplicação de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate), especialmente na contratação de transporte escolar para estudantes, que teriam sido praticadas na Prefeitura de Simão Dias - SE (Acórdão 1214/2007 - Plenário).
Os responsáveis foram citados (fls. 57/8, 64/5, 76/7, 83/5, 109/11, 125/6, 135/6, 141/2, 146/7, 175/6, do volume principal e 269/70, 275/6, 281/2, 287/8, 293/4, do volume1) e apresentaram alegações de defesa (anexo 1), analisadas e rejeitadas na instrução fls. fls. 236/68, volume 1, com proposta de julgar as contas irregulares, em débito os responsáveis e aplicação de multa.
Antes, porém, de as contas serem submetidas a julgamento, os responsáveis comprovaram o recolhimento dos débitos (fls. 344/9, volume 1).
Em nova instrução (fls. 371/9, volume 1), o Auditor Federal de Controle Externo conclui não estar configurada a boa-fé dos responsáveis, a que se refere o art. 12, §2º, da Lei 8443/1992, propõe a irregularidade das contas e aplicação da multa prevista no art. 58, incisos I e II, da Lei 8443/1992, a todos os responsáveis, até mesmo à empresa Viação Shalon Ltda.
O Diretor Técnico manifesta-se de acordo em parecer redigido nos seguintes termos (fls. 380/4, volume 1):
"A proposta formulada, no sentido de rejeitar as alegações de defesa se mostra adequada, conquanto não restou demonstrada a regularidade dos preços imputados como superfaturados.
No sentido de reafirmar as conclusões a que chegou o Analista instrutor, entendo pertinente tecer alguns comentários, reforçando a impossibilidade de acatamento dos preços praticados, bem como dos valores apurados na defesa, como tentaram fazer valer os responsáveis arrolados.
Antes, porém, registre-se, pela relevância, que o débito relativo às citações, decorrentes do valor superfaturado apurado nos exercício de 2004 a 2007, no montante corrigido e acrescido dos juros de mora de R$ 201.556,54, foram liquidados pelo então prefeito municipal Jose Matos Valadares, conforme doc. de fls. 346 a 349, restando satisfeito o débito, conforme atestam os extratos do Sistema Débito às fls. 350 369.
Em que pese o recolhimento do valor imputado como débito, inclusive dos valores relativos ao período de 2007, citados por meio dos ofícios 1015 a 1019/2008-TCU/SECEX-SE (fls. 269 a 298), persiste a irregularidade das contas, configurada no superfaturamento dos preços contratados para a execução dos serviços de transporte escolar no município, bem como das demais ocorrências motivadoras das audiências no processo de denúncia que originou a presente TCE. Nesse sentido, havendo outras irregularidades e não se vislumbrando a boa-fé dos responsáveis, não há que se cogitar em saneamento dos autos, com consequências no mérito do julgamento, conforme previsto no § 2º, do art. 12, da Lei 8.443/1992.
Passando à analise dos documentos e informações apresentadas, os responsáveis trouxeram aos autos extensa e detalhada argumentação, dados e informações, com vistas a descaracterizar o superfaturamento na execução dos contratos firmados para a prestação de serviço de transporte escolar no município de Simão Dias-SE, sem, no entanto, obterem êxito, conquanto foram ancoradas em dados inadequados, como já mencionado na instrução de fls. 236 a 266, e que ora me permito acrescer alguma observações.
Antes, porém, ratificando os comentários constantes da instrução, ressalto as condições em que se deram as licitações antecedentes das contratações, em que todas elas não alcançaram o objetivo colimado na legislação, qual seja, o de propiciar ao certame a mais ampla competitividade, por meio da participação de várias empresas e potenciais licitantes, não obstante terem sido realizadas na modalidade concorrência. Como já observado pelo Ministro Relator em seu voto que antecedeu o Acórdão que determinou a conversão do processo em TCE, não foi sequer demonstrada a publicação do aviso da licitação no Diário Oficial da União, o que poderia explicar a não afluência de outros interessados ao certame, mesmo considerando os valores dos objetos das contratações: R$ 839.000,00 e R$ 1.024.850,00, respectivamente, das concorrências nºs 01/2003 e 01/2005.
Somente na Concorrência nº 02/2005, no valor de R$ 1.307.120,00, houve uma tentativa de competição, por meio da intenção de participação de uma outra empresa de ônibus que não a contratada em todos os certames desde 2003, mas que foi logo "abortada", com a rejeição - indevida - do recurso apresentado a item do edital que restringia a competição por meio de exigência de vistoria de todos os ônibus a serem alocados no contrato, como condição de qualificação técnica, em completa desconformidade com as disposições legais insculpidas na Lei 8.666/93.
Quanto aos valores apresentados, na tentativa de demonstrar que os preços dos contratos estavam de acordo com o praticado no mercado, descaracterizando assim o superfaturamento apontado, merece ressalva não apenas a metodologia utilizada, como também os cálculos efetuados.
De certo que, na injustificada ausência - no edital e na contratação - de planilhas de composição de custos do serviço em tela, tão amplamente utilizadas na contratação de serviços de transporte escolar pelos diversos entes públicos no Brasil (ou mesmo na composição de custos de tarifas de transportes públicos), poder-se-ia lançar mão de outras formas de cálculo dos preços praticados. Em tal hipótese, os insumos e componentes de custos de formação dos preços dos serviços deveriam ser compatíveis com o tipo de serviço e ajustados às peculiaridades do transporte escolar.
Não é o que se observa no caso presente, haja vista à disparidade de situações em que se dão os serviços de transporte e os serviços próprios de engenharia constantes do sistema de custos utilizado nas defesas. A ressalva é pertinente, e importa destacar, já que o sistema de custo do DNIT, por meio da utilização de dados do SICRO2, presta-se à composição de custos de obras rodoviárias, ressalva já manifestada pelo Analista instrutor, mas que entendo oportuno destacar e trazer algumas considerações mais específicas.
A primeira delas se refere à utilização de valores de consumo de combustíveis e lubrificantes de máquinas e equipamentos de obras rodoviárias em ônibus de transporte escolar. Como referenciado pelos responsáveis, o consumo atribuído para efeito de cálculo do custo operativo dos equipamentos (ônibus) foi de 0,18 l/Kw/h (litro por quilowatts por hora), o que resulta em 0,135 l/Hp/h (litro por "cavalo força" por hora). A utilização de tais parâmetros é imprópria, considerando as características dos equipamentos utilizados na construção e reparação de obras rodoviárias, cujos motores trabalham sempre em regimes de rotações elevadas, e por períodos de tempo prolongados. As exigências dos serviços a que se prestam, sempre demandando torque e potência nos níveis máximos a que foram projetados, implicam, de igual modo, em altos consumos de combustíveis e lubrificantes. Para tais equipamentos, o consumo é, de fato, uma relação direta entre o tempo de operação (h) e a potência disponível (hp). Já os ônibus de transporte escolar, não; o seu regime de trabalho se dá em condições normais de utilização (não extremas), acarretando, desta forma, um consumo substancialmente menor.
Somente a título de exemplo - adotando o mesmo procedimento mencionado na defesa - quando se expurga os valores relativos ao consumo de lubrificantes e filtros (no percentual de 20%), obtêm-se um consumo de óleo diesel de 0,1125 l/hp/h, o que representa, para um ônibus com motor de 184cv, um consumo na faixa de 1,9 km/l, bem acima de uma média razoável de 2,5 a 3 km/l para esse tipo de veículo. Somente com esta retificação nos cálculos, o custo operativo cairia em cerca de 38%, o que implicaria em uma redução do valor mensal de cerca de 16% em referência ao valor apurado pela defesa.
Outro fator que demonstra a impropriedade dos custos apresentados, na tentativa de demonstrar a compatibilidades dos preços praticados - e nesse caso específico não se trata de mera inadequação de parâmetros - são os valores lançados nas planilhas anexas às defesas, a exemplo dos doc. de fls. 44, 46, 48 e 50, do Anexo 1 (Quadros 1A, 2A, 3A e 4A). Consoante consignado à fl. 32, o cálculo das "Horas diárias operativas" seria resultado da distância percorrida em km pela velocidade arbitrada no cálculo, 40km/h.
Observa-se, no entanto, que na referida coluna, nas planilhas apresentadas, incorreu-se em erros de cálculo. P.ex, no Quadro 1A (fl. 44, Anexo 1), consta na primeira linha (considerando que a Rota 1 teria 32km) o valor de "Horas diárias operativas" como sendo de 0,91, quando o correto seria 0,80 (32km ( 40km/h). O mesmo "erro" se repete ao longo de toda a planilha. Somente com essa correção, e para efeito de cálculo do respectivo contrato, o valor que a defesa apresenta como sendo de R$ 83.915,40 mensais, seria reduzido para R$ 78.865,06, o que representaria uma diferença ao longo do contrato de R$ 50.503,40.
As planilhas relativas aos Quadros 2A e 3A também apresentam o mesmo "erro" de cálculo o que implica em uma diferença entre o que a defesa apresenta como custo adequado e o apurado (apenas com o expurgo dos valores calculados de forma errada), em valores anuais de R$ 82.917,70 e R$ 92.927,60, respectivamente. Esses números são apenas para efeito de demonstração da impropriedade do cálculo, já que os valores contratados e, principalmente, a referência utilizada para impugnação dos valores contratados, foram estabelecidos a partir de outros parâmetros.
Outra impropriedade da utilização de sistema de custos de serviços do DNIT (SICRO 2) é a aplicação do BDI utilizado para os serviços de obras rodoviárias para a apuração de custo de transporte escolar, devido às características próprias e inconciliáveis das duas atividades. Enquanto que a utilização de um percentual de 23,90 para remunerar a bonificação e as despesas indiretas de uma empresa de construção pode ser considerada aplicável, em face dos custos de manutenção de escritórios e logística das operações necessárias à execução da obra, este mesmo percentual se mostra excessivo quando aplicado a um contrato de locação de ônibus.
Sendo conservador, corrigindo-se o fator do BDI aplicado, a título de "lucro e despesas administrativas", a 15%, a contratação decorrente da Concorrência 01/2003 teria um valor mensal de R$ 73.199,98 contra R$ 83.900,00, o que implicaria em uma diferença anual de R$ 106.574,90. Repetindo-se a operação para as licitações seguintes (Concorrências 01/2005 e 02/2005), importaria em valores de R$ 99.453,03 contra R$ 102.485,00 do contrato, e R$ 114.573,62 contra R$ 130.712,00 do contrato, respectivamente. Somando-se as três diferenças, nos anos em comento haveria um prejuízo de R$ 295.403,10. Destaque-se que a aplicação de 15% a título de lucro e despesas administrativas se deu nos valores ajustados após a correção da coluna "Horas diárias operativas" referenciada nos itens 7.3 a 7.5 precedentes, sem, no entanto, fazer as correções quanto às distâncias percorridas.
Por fim, outro aspecto que torna inadequada a argumentação e, por via de conseqüência, os cálculos, é a atribuição aos trechos do contrato de distâncias diárias percorridas sem a mínima comprovação de sua autenticidade, fragilizando por demais a defesa. Tivessem constado do chamamento à licitação (apesar dos vícios do procedimento já mencionados no processo), poder-se-ia tomar como razoavelmente passível de aceitação. A estipulação de distâncias, somente agora quando da montagem das planilhas anexas à defesa, equivale a aceitar a confecção de "contas de chegar" em que, por meio da livre alteração de quantitativos, chegar-se-ia a quaisquer valores finais, ao talante e interesse do autor do cálculo.
Note-se, ainda, e como reforço à tese acima, que as distâncias dos trechos foram majoradas na contratação decorrente da Concorrência nº 01/2005 quando comparadas às da Concorrência nº 01/2003, em que pese a maioria dos trechos terem-se mantidos os mesmos, conforme se pode observar na comparação das colunas "Distância Diária Percorrida" nos quadros 1A a 4A (fls. 44, 46, 48 e 50, do Anexo 1). Quando cotejados com os quadros 1 a 4 (fls. 43, 45, 47 e 49, do Anexo 1), observa-se que diferença é apenas da menção à sede do município Simão Dias após a última localidade mencionada nos trechos.
Ora, todas as contratações se deram para transporte escolar entre os povoados e a sede do município, conforme se observa dos objetos consignados nos editais de licitação. A simples menção à sede do município não altera a distância contratada, sendo, na verdade, um artifício com vistas a dar conformidade aos preços contratados.
De notar, ainda, que quando da apresentação das justificativas à audiência procedida nos autos do TC 018.881/2005-3 (processo gerador da presente TCE), foi apresentado documento como se projeto básico fosse (fls. 297 a 300), em que são indicadas as supostas localidades atendidas, e ali consta como localidade de saída e chegada a sede do município, o que derruba a tentativa de inclusão de distância em quilômetros pelo simples fato de se ter consignado Simão Dias como mais uma localidade atendida no percurso.
Militam em favor dessa afirmação, algumas conclusões a que se chega de uma observação mais detalhada dos trechos consignados nas tabelas em comento. A Rota 1 (Quadro 1-Concorrência 01/2003, fl. 43, Anexo 1), p.ex., estabelece como percurso as localidades Gonçala-Mata do Peru-Pastinho; a mesma rota, no Quadro 2-Concorrência 01/2005 (fl. 45, Anexo 1) consta como percurso/localidades Gonçala-Mata do Peru-Pastinho-Simão Dias, sendo acrescido de 10 km. Entretanto, se observarmos o percurso da Rota 29 (Pastinho-Simão Dias), consta como distância diária percorrida 22 km. Se fossem fidedignas as informações lançadas nas tabelas mencionadas, a distância acrescida à Rota 1 (em que o "ponto final" era Pastinho e teria passado a ser Simão Dias) deveria ser de 22 km e não de 10 km, ou vice-versa. Dessa forma, observa-se mais uma vez que os dados lançados não podem ser aceitos como comprovação da regularidade da contratação.
Outro dado que chama bastante atenção é a distância de 100 km atribuída ao percurso da Rota 7 Curral dos Bois-Triunfo-Simão Dias (Quadro 2-Concorrência 01/2005; fl. 45, Anexo 1). Partindo de Curral dos Bois pela Rodovia SE 112, o povoado de Triunfo dista 12 quilômetros; de lá até a sede de Simão Dias, mais 15 km, desta feita pela Rodovia SE 110, totalizando 27 quilômetros, que multiplicado por dois (ida e volta), importa em um percurso de cerca de 54 quilômetros.
Observa-se, no entanto, que o documento mencionado no item 7.11, chamado de projeto básico e rechaçado como tal na análise das justificativas às audiências realizadas, consigna para todas as rotas a expressão "e retorno, no turno vespertino" o que pode ter duas interpretações: (i) o veículo realiza o percurso e retorna à tarde; ou (ii) repete o mesmo percurso no turno da tarde. A primeira hipótese reduz o percurso original pela metade, enquanto a segunda dobra a quantidade de alunos atendidos. Segundo consta da tabela consignada na análise das justificativas à audiência, à fl. 320 dos autos do TC 018.881/2005-3 (Denúncia), o município conta com 1.831 alunos atendidos pelo transporte escolar. Em 2006 foram 39 trechos atendidos pelo contrato decorrente da Concorrência 02/2005, o que implicaria, considerando uma capacidade média de 45 alunos por ônibus em uma oferta de 1.755 alunos a serem transportados, número bastante próximo do informado como atendidos pelo transporte custeado em parte pelo PNATE. No entanto, se prevalecesse a informação de que a operação de transporte se repete nos dois turnos, a oferta seria para 3.510 aluno, o que extrapola em muito o número de alunos informado como atendidos pelo transporte escolar.
Tais constatações têm o condão de descaracterizar as informações prestadas pela Prefeitura Municipal na tentativa de suprir as lacunas observadas pela equipe de inspeção e que motivaram antes as audiências - e agora a citação, sem contudo lograr êxito, conforme demonstrado, haja vista as diversas inconsistências observadas.
Ressalte-se, nesse sentido, que a mera consignação de distâncias supostamente percorrida, desprovida de qualquer comprovação documental, e ainda, contestada por inconsistências na sua formulação, não pode servir de suporte para a prova da boa e regular aplicação dos recursos disponibilizados, obrigação atribuída por lei aos responsáveis.
Em face das argumentações acima, resta como não aceitáveis os valores apurados pela defesa como passíveis de comprovação da regularidade das contratações, devendo prevalecer os valores apontados nas citações.
Ultrapassada a questão da rejeição das alegações de defesa apresentadas, não se tendo elidido os débitos motivadores das citações (débitos estes já satisfeitos mediante o pagamento, conforme já tratado), resta analisar as decorrências da mencionada rejeição.
Com efeito, o pagamento do débito atribuído aos responsáveis não obsta a apreciação da irregularidade configurada no superfaturamento na execução dos contratos, bem como não tem o condão de sanar o processo, conforme já mencionado no item 3 deste parecer, não se constituindo, o pagamento do débito, em obstáculo à imposição de multa, não apenas pelo ato irregular tratado nas presentes contas especiais, como também pelos atos motivadores das audiências promovidas nos autos do processo de denúncia, cuja apreciação de apenação com multa foi remetida pelo Ex.mo Senhor Ministro-Relator para o presente momento processual.
Ante o exposto, considerando as análises procedidas nas instruções de fls. 236 a 263 e 372 e 377, aduzidas pelas considerações insertas no presente parecer, encaminhem-se os autos ao Senhor Secretário de Controle Externo Substituto, para posterior envio ao descortino do Ex.mo Senhor Ministro-Relator, ouvindo-se antes a Douta Procuradoria, para apreciação da proposta de mérito formulada na instrução precedente."
O Secretário de Controle Externo manifesta-se de acordo com a irregularidade das contas, mas sugere que a multa tenha por fundamento o art. 57 da Lei 8443/1992, porque, no seu entender "no plano real o débito existiu e foi devidamente quantificado, e a evidência incontestável da ocorrência desse fato é que os responsáveis foram regularmente citados, reconheceram a existência dos débitos apontados, e posteriormente efetuaram o devido recolhimento do seu valor integral. O simples fato de os responsáveis terem promovido o recolhimento dos débitos antes do julgamento das contas não descaracteriza a sua existência fática, mas, ao revés, a confirma" (fl. 385, volume 1).
O Ministério Público manifesta-se de acordo com o Diretor Técnico (fl. 387, volume 1).
É o relatório
Voto do Ministro Relator
A presente tomada de contas especial originou-se da conversão de processo de denúncia de irregularidades na aplicação de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate), que teriam sido praticadas na Prefeitura de Simão Dias - SE (Acórdão 1214/2007 - Plenário).
Nas alegações de defesa os responsáveis contestam a acusação de sobrepreço na contratação de transporte escolar (concorrências 1/2003, 1/2005 e 2/2005); apresentam planilhas de custos; discordam da quantificação do débito com a utilização do IPC-BR - FGV e informam que "nos cálculos empreendidos buscou-se adotar, sempre que possível, os critérios e parâmetros recomendados pelo Sicro2, do Dnit, disponibilizado na internet".
A Unidade Técnica analisou e rejeitou as alegações de defesa, com proposta de julgar as contas irregulares, em débito os responsáveis e aplicação de multa.
Antes, porém, de as contas serem submetidas a julgamento, os responsáveis comprovaram o recolhimento dos débitos.
Em nova instrução, o Auditor Federal de Controle Externo conclui não estar configurada a boa-fé dos responsáveis, a que se refere o art. 12, §2º, da Lei 8443/1992, propôs a irregularidade das contas e aplicação da multa prevista no art. 58, incisos I e II, da Lei 8443/1992, a todos os responsáveis, até para a empresa Viação Shalon Ltda.
A essa proposição se associou o Diretor Técnico que, em seu parecer, demonstrou detidamente a impossibilidade e a inadequação da utilização do sistema Sicro2 para mensuração e valoração dos serviços de transporte escolar, tendo o Ministério Público acolhido a proposição.
O Sicro2 - sistema de custos rodoviários - estabelece a metodologia e os critérios adotados para o cálculo dos custos unitários dos insumos e serviços necessários à execução das obras de construção, restauração e sinalização rodoviária e dos serviços de conservação rodoviária. De forma alguma é aplicável na elaboração de planilhas de composição de custos de transporte coletivo, ao qual, consideradas as peculiaridades próprias do serviço, deve ser comparado o transporte escolar.
Entretanto, o que emerge das alegações de defesa é que as informações apresentadas foram preparadas com a finalidade específica de responder às citações. Na inspeção realizada para apurar a veracidade da denúncia, a equipe de auditoria registrou a inexistência de projeto básico que contemplasse dados suficientes acerca da quantidade de alunos transportados, quantidades de trechos a serem percorridos com suas respectivas distâncias, número de ônibus utilizados, horários em que os ônibus transportariam os alunos, planilhas orçamentárias detalhando o custo dos serviços que serviram de base à fixação do preço de referência.
Em nenhuma das três concorrências houve competição. A empresa vencedora, Viação Shalon Ltda., foi a única habilitada nos certames. Não se comprovou, sequer, a publicação dos certames em jornal de grande circulação e no DOU, conforme exige o art. 21 da Lei 8666/1993.
A ausência desses elementos foi objeto de audiência dos responsáveis e, rejeitadas as razões de justificativa, a possibilidade de aplicação de multa foi remetida para a presente fase processual, nos termos do voto condutor do Acórdão 1214/2007 - Plenário.
Dessa forma, recolhido o débito decorrente de sobrepreço na contratação de transporte escolar nos exercícios de 2004 a 2007, mas não sendo esta a única irregularidade, conforme registro no relatório e voto que fundamentam o Acórdão 1214/2007 - Plenário, devem as contas ser julgadas irregulares, com imposição da multa prevista nos incisos I e II do art. 58 da Lei 8443/1992.
A proposta do Secretário de Controle Externo, para quem a multa deveria fundamentar-se no art. 57 da Lei 8443/1992, não encontra amparo no art. 19, caput, dessa lei. Segundo esse dispositivo, ao julgar as contas irregulares, havendo débito, o Tribunal poderá aplicar a multa prevista no art. 57. A condição é a existência de débito no momento em que as contas serão julgadas. É a exata expressão do caput do art. 57: "quando o responsável for julgado em débito". No presente caso, o débito foi liquidado antes do julgamento. Como o sobrepreço não é a única irregularidade nos autos, o o fundamento para a multa é o parágrafo único do art. 19.
O Tribunal, pelo Acórdão 342/2006 - Plenário, aplicou multa proporcional ao dano, já recolhido no momento do julgamento, com fundamento no art. 57 da Lei 8443/1992. Sendo a única deliberação discrepante, não constitui jurisprudência e não vincula a presente decisão.
A justificativa para a aplicação daquela multa é que o fundamento legal do julgamento das contas foi o art. 16, inciso III, alínea "d", da Lei 8443/1992. O parágrafo único do art. 19 desta Lei não contempla a alínea "d", mas apenas as alíneas "a", "b" e "c" do inciso III do art. 16, o que não autorizaria ao Tribunal aplicar a multa prevista no art. 58, inciso I. Não é, contudo, o caso dos presentes autos.
A liquidação do débito teve como conseqüência, ainda, afastar da jurisdição do Tribunal a empresa Viação Shalon Ltda., a quem havia sido atribuído débito apenas por ter concorrido para o cometimento do dano apurado, como responsável solidário, nos termos do art. 16, §2º, alínea "b" da Lei 8443/1992.
Ante o exposto, voto porque o Tribunal aprove o acórdão que submeto à apreciação da Primeira Câmara.
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 21 de outubro de 2009.
WALTON ALENCAR RODRIGUES
Relator
Acórdão
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de tomada contas especial, instaurada por conversão de processo de denúncia de irregularidades na aplicação de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate), que teriam sido praticadas na Prefeitura de Simão Dias - SE (Acórdão 1214/2007 - Plenário),
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão da 1ª Câmara, com fundamento nos arts. 1º, inciso I, 16, inciso III, alíneas "a" e "b", 19, caput, e 23, inciso III, alínea "a", da Lei nº 8.443/1992 e ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. julgar irregulares as contas e aplicar, individualmente, aos responsáveis José Matos Valadares, Carla Priscila da Costa, Josefa Farias dos Santos, Sônia da Silveira, Jacqueline Silva Souza e Santos, Jilvano Nunes de Santana, Zenaide Felix da Silva e Júlia de Carvalho Oliveira a multa prevista nos incisos I e II do art. 58 da Lei 8.443/1992, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) fixando-lhes prazo de quinze dias, a contar da notificação, para comprovar perante o Tribunal (art. 214, III, "a", do RI/TCU), o seu recolhimento aos cofres do Tesouro Nacional, atualizadas monetariamente da data do presente acórdão até a do efetivo recolhimento, se forem pagas após o vencimento, na forma da legislação em vigor;
9.2. autorizar, desde logo, a cobrança judicial das dívidas, nos termos do art. 28, inciso II, da Lei nº 8.443/92, caso não atendida a notificação;
9.3. encaminhar cópia da deliberação ao Procurador-Chefe da Procuradoria da República no Estado de Sergipe, nos termos do art. 209, § 6º, do Regimento Interno, para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis
Quorum
13.1. Ministros presentes: Valmir Campelo (Presidente), Walton Alencar Rodrigues (Relator) e José Múcio Monteiro.
13.2. Auditor convocado: Marcos Bemquerer Costa.
13.3. Auditor presente: Weder de Oliveira
Publicação
Ata 37/2009 - Primeira Câmara
Sessão 21/10/2009
Aprovação 21/10/2009
Dou 23/10/2009
Boa noite!
ResponderExcluirQuero parabenizá-lo pelo grande trabalho que seu blog vem prestando ao nosso município, sem medo dos poderosos, porque essa matéria o povo precisa saber. Parabens.
Leninho
Obrigado Leninho pelo seu ótimo comentario,no entanto estarei postando novas materias com conteúdo forte,e esclarecedor
ResponderExcluirPrecisamos de mais pessoas assim sem medo de mostra essa política de Pão e Circo.
ResponderExcluirNivaldo parabéns pelo seu trabalho, por mostrar a realidade da política de Simão Dias.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
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