Ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho, avalia a operação contra o tráfico no Rio e aponta como a ofensiva pode afetar o Vale
Em entrevista à revista valeparaibano, o ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho, faz uma análise da operação contra o tráfico de drogas deflagrada no Rio de Janeiro e como essa ofensiva poderia afetar o Vale do Paraíba. Entretanto, não haveria motivos para medo na região. Segundo ele, um ou outro traficante do Rio pode se instalar na região, mas não chegaria dominando a localidade. “É como se diz: boi em pasto alheio é vaca. Ninguém do mundo do crime vai querer repartir território”, afirmou.
Silva Filho disse que a situação do tráfico no Rio não é semelhante a nenhum outro Estado do país. “O Rio de Janeiro, por um acúmulo histórico de omissões e falta de coragem política, acabou permitindo que grupos criminosos adotassem armamentos de guerra”, disse. Para o especialista, há tendência de mudança no perfil do tráfico no Rio e o motivo é um outro problema: as milícias. “As milícias exploram a comunidade em pequenas quantidades, que, no final, dão muito dinheiro. Tudo isso é controlado por policiais da ativa, por policiais militares principalmente.”
Como avalia a operação contra o tráfico de drogas deflagrada no Rio de Janeiro?
Um aspecto relevante é a constatação que aquilo que acontece no Rio é tipicamente do Rio de Janeiro. Desconheço coisa parecida em qualquer parte do país que eu conheci como secretário nacional de Segurança. O Rio de Janeiro, por um acúmulo histórico de omissões e falta de coragem política ou até covardia, acabou permitindo que grupos criminosos, traficantes extremamente rivalizados entre eles, tivessem primeiro uma grande guerra em defesa de território e, segundo, adotassem armamentos tipicamente de guerra: fuzis, metralhadoras, armas de combate. Os traficantes do Rio não têm armas para assaltar pessoas na rua. Eles (o governo) deixaram acontecer. Mesmo na história recente, o governador Sérgio Cabral, em 2007, fez uma grande invasão naquela mesma região da Vila Cruzeiro e foi espetacular, virou capa de várias revistas de grande repercussão nacional, anunciando o fechamento do tráfico. Muito parecido com o que está acontecendo agora e com o mesmo triunfalismo: ‘Rio de Janeiro dá lição de iniciativa na área de segurança pública etc’. O que aconteceu é que a criminalidade continuou encastelada naquele complexo, como em mais de uma centena de favelas daquele Estado. E ainda, todas aquelas dezenas de toneladas de drogas apreendidas na época foram entrando de volta ao trafico ao longo desse mesmo governo. Não adianta reclamar que o governo federal não cuida das fronteiras com o Paraguai, Bolívia, Colômbia ou Peru, que é por onde as drogas entram no país. Cabe à segurança do Estado a fronteira do próprio Estado, da cidade e em outras instâncias, a fronteira da Rocinha, do Complexo do Alemão. Enfim, isso não foi feito.
O senhor acredita que a ofensiva vai enfraquecer os traficantes?
Os traficantes já estavam sendo acossados no Rio de Janeiro, há uma tendência de mudança no perfil do tráfico. O motivo é um outro problema do Rio, tão sério ou até mais que o dos traficantes: as milícias. São estimadas cercas de 200 comunidades dominadas por milícias que submetem a população a uma série exigências em pagamentos de tudo: para receber gás, internet, energia elétrica, tudo. Lá tudo é pago. Eles não precisam importar droga nenhuma para enriquecer, simplesmente exploram a comunidade em pequenas quantidades que, no final, dão muito dinheiro. Tudo isso é controlado por policiais da ativa, por policiais da Polícia Militar, principalmente. Corruptos. Então, isso está acossando os marginais. Esse pessoal (milícias) está querendo invadir, fazer novas comunidades que ainda estão nas mãos dos traficantes. Um outro problema é que essas armas na mão, principalmente, de adolescentes, que a gente vê a toda hora nos noticiários, estão prejudicando os negócios do tráfico. A tendência atual é traficante esconder todas as armas. O negócio do traficante não é fazer terrorismo, é vender droga, é ganhar dinheiro. Tanta violência prejudica os negócios. A tendência é que o tráfico fique mais discreto como já vem acontecendo. Segundo informações do serviço de inteligência do próprio Rio de Janeiro, das 12 comunidades com as Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, 11 continuam com o tráfico funcionando. O que deve acontecer é que a polícia vai fazer olho de vidro para evitar maiores problemas desde que o tráfico seja feito sem violência.
Qual será o reflexo dessa operação na violência urbana no Rio de Janeiro?
O reflexo é que vamos ver uma melhoria em relação aos padrões de violência na localidade onde está havendo a intervenção. Não se pode creditar aos traficantes, seja do Complexo do Alemão, da Maré, Boréu ou Rocinha, toda a criminalidade que acontece no Rio de Janeiro. O Rio tem uma média de 10 mil assaltos a pessoas por mês no Estado, e isso não tem nada a ver com o que acontece na Vila Cruzeiro.
O senhor vê a ofensiva como manobra política pensando nas Olimpíadas de 2014?
Não. A operação não foi feita nesse sentido, mas o marketing, inclusive da imprensa, está levando para esse sentido. O fato é que ali houve uma decisão. Já que os traficantes começaram a atacar alguns postos policiais e incendiar veículos pela cidade, houve uma ação na Vila Cruzeiro, que fica no coração do Complexo do Alemão, e essa, surpreendentemente, foi bem-sucedida. Nesse momento, que começaram as tratativas para o uso de blindados dos fuzileiros navais, se percebeu que os criminosos estavam muito acuados com os blindados nas ruas. Então, o que aconteceu é que improvisaram a operação a partir dessa oportunidade. O Exército já estava com contingente grande nas ruas, juntou com mais policiais e aconteceu o que aconteceu.
O Exército atua no Rio com poder de polícia, como o senhor avalia essa situação?
É preciso levar com muita cautela. Defendo que o Eexército tenha uma participação de apoio exatamente como foi feito até então. Ou seja, ele oferece a logística, os blindados, os helicópteros, eventualmente até armamento. Mas quem faz a abordagem, quem faz o principal trabalho é sempre a força policial. O Exército engrossa, aumenta o efetivo para aumentar o grau de persuasão.
O Exército deve implantar uma Força de Paz no Rio semelhante à que atuou no Haiti. Isso é necessário?
Não. Aí começa a errar. Pode até fazer alguma coisa parecida, mas quem fala com o cidadão, quem prende o bandido, quem revista o veículo, tem que ser sempre um policial. Acredito que o Exército tenha se entusiasmado com a experiência do Haiti. Só que o tipo de operação que é feita no Haiti é diferente. Primeiro ela atua com padrões da ONU (Organizações das Nações Unidas) e dentro de um país que tem instituições completamente fragilizadas. Então, essa tropa acaba atuando de uma forma, digamos, bastante livre. O que acontece no Brasil é que favela, ou não, está dentro de um consenso de uma unidade democrática, com instituições funcionado, o Legislativo, o Judiciário etc. Nessas circunstâncias, uma ação desastrada, por exemplo, é uma ação policial desastrada e ponto. Matou 16 traficantes, vai-se apurar e pronto. Se o Exército fizer a mesma coisa, imagine se mata um inocente? Aquilo se transforma em um enorme imbróglio político e não em uma ação policial.
O Vale do Paraíba é uma possível rota de fuga desses traficantes?
Não vejo motivo de nenhuma apreensão em relação a isso porque o criminoso depende de local seguro para ficar. O que acontece é que pode vir um ou outro traficante que tenha onde ficar, mas não vão chegar aqui dominando uma localidade. É como se diz: boi em pasto alheio é vaca. Os traficantes daqui não vão ser tão hospitaleiros. Ninguém do mundo do crime vai querer repartir território. E o que dizem sobre o PCC e Comando Vermelho, que eles têm uma cumplicidade, isso não é tão sólido assim. O Comando Vermelho é uma facção de guerrilha, enquanto que o PCC é uma cooperativa criminosa.
Qual a melhor tática de preparo para que a polícia do Vale evite essa migração?
A polícia de São Paulo deve receber orientação por parte da polícia do Rio de Janeiro sobre as lideranças mais procuradas. Não porque vão afetar a criminalidade na região, mas para colaborar com a polícia do Estado vizinho. A polícia daqui, com certeza, já está alertada para uma possível presença deles. A polícia do Vale, a polícia de São Paulo, vai acionar suas fontes, vão monitorar, mas apenas como colaboração.
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