Lixões estão com os dias contados
Prefeituras têm até 2015 para acabar com vazadouros e implantar aterros sanitários para receber e tratar resíduos domésticos
Cada brasileiro produz, em média, 1,15 quilo de lixo por dia, segundo um estudo da Abrelpe (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) publicado em maio de 2010. Com base neste número, chega-se à conclusão de que os 191 milhões de brasileiros produzem, diariamente, nada menos que 219.650 toneladas de dejetos. Assim sendo, a grande pergunta é: para onde vai esta montanha de lixo? De acordo com a última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) em agosto passado, mais da metade (50,8%) dos resíduos sólidos produzidos pelo país eram despejados em vazadouros a céu aberto –os populares “lixões”– em 2008. À diferença dos aterros sanitários, criados especificamente para este fim, os vazadouros não reúnem as condições necessárias para receber o lixo, e constituem uma grave ameaça à saúde das populações. De acordo com o IBGE, as regiões Sul e Sudeste foram as que obtiveram o melhor desempenho em 2008, com percentuais respectivos de 15,8% e 18,7%. São Paulo ocupava o topo do ranking por estados, com apenas 7,6% do lixo despejado em vazadouros. Para efeitos de comparação, 97,8% dos resíduos produzidos pelo Piauí em 2008 foram parar em lixões. No dia 2 de agosto de 2010, ou seja, pouco mais de duas semanas antes da divulgação da pesquisa do IBGE, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Política Nacional de Resíduos Sólidos. A lei, que tramitava no Congresso desde 1991, estipula um prazo de cinco anos, até 2015, para o fim dos lixões em todo o país. “Para São Paulo, trata-se de um objetivo viável. Estamos trabalhando, inclusive, para cumprir a determinação antes do prazo previsto. De acordo com nossas informações, somente três municípios do Estado despejavam seu lixo em vazadouros em 2009: Presidente Prudente, Peruíbe e Vargem Grande do Sul”, disse Aruntho Savastano Neto, gerente do setor de apoio a programas especiais da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). Para Sueleidy Prado, da ONG Vale Verde, acabar com os lixões é fundamental. “Moscas, ratos e urubus convivem com milhares de pessoas que catam comida e materiais recicláveis para vender, criando um ambiente que favorece a transmissão de doenças. Os gases poluentes que emanam dos vazadouros causam problemas respiratórios como pneumonias e bronquites, que afetam principalmente as crianças. Isso sem falar da contaminação dos solos e, eventualmente, dos lençóis freáticos pelo chorume, um líquido preto altamente tóxico que escorre do lixo”, comentou, destacando que o clima seco que prevalece no Vale do Paraíba favorece a disseminação dos gases poluentes na atmosfera. “É importante definir uma meta. Trata-se de um prazo razoável. Os municípios atrasados têm agora cinco anos para fazer o que deveriam ter feito há 20”, enfatizou André Miragaia, secretário de Meio Ambiente de São José dos Campos, que não deverá ter problemas para se adequar à nova lei. De acordo com Miragaia, o município, de 627 mil habitantes, produz cerca de 600 toneladas de resíduos por dia. Mais de 99% deste total vai para o aterro sanitário da cidade, que fica no Torrão de Ouro (zona sul), às margens da Rodovia dos Tamoios. O aterro, que começou a operar em 1987, recebe atualmente 596 toneladas de lixo por dia, segundo a Urbam (Urbanizadora Municipal), responsável pela administração do local. As quatro toneladas restantes são despejadas em pequenos pontos de depósito de lixo clandestinos espalhados pela cidade. O aterro de São José é, de longe, o que recebe o maior volume de lixo no Vale.
Diferenças É importante ressaltar as diferenças entre os aterros. Os classificados como adequados pela Cetesb passaram por um processo de impermeabilização do solo antes de receber o lixo. O procedimento consiste na instalação de mantas de PVC para impedir o vazamento de chorume. Além disso, o lixo é aterrado diariamente e os nocivos são eliminados por um sistema de captação e queima do gás metano gerado pelos resíduos. A combustão transforma o metano em CO2, também poluente, porém em proporções muito menores. O metano é 23 vezes mais nocivo que o CO2. Os aterros particulares de Cachoeira Paulista e de Tremembé estão no topo do ranking da Cetesb para o Estado de São Paulo: ambos obtiveram nota 10 em 2009 –os resultados de 2010 devem sair em março deste ano. Com 8,8, o aterro municipal de São José foi um dos mais bem avaliados do Brasil entre os que recebem mais de 400 toneladas diárias de resíduos. De acordo com o levantamento da Cetesb, os aterros de Cruzeiro e Santa Branca são os piores da região –os dois obtiveram nota 6,5 em 2009 (de 6,1 para baixo, o local é considerado inadequado). Ambos são aterros controlados, uma classificação intermediária entre o lixão e o aterro adequado. O aterro controlado é normalmente definido pela criação de uma célula adequada para recepção do lixo novo ao lado do vazadouro, remediado com cobertura de argila e grama e captação de chorume e gás. Aparecida pode ganhar um aterro controlado. O principal lixão da cidade, que existia há 30 anos, foi interditado pela Cetesb em dezembro de 2009. Em 2008, recebera a nota de 3,7 –de longe a pior do Vale naquele ano. Hoje, quase todo o lixo está aterrado, mas o cheiro ainda é forte, e moscas e urubus marcam presença no local. É estudado um projeto para a recuperação da área, segundo a secretária de Meio Ambiente de Aparecida, Gisele Pereira. “Ainda não foi tomada uma decisão. Em outubro do ano passado, foram efetuadas obras periféricas de readequação da área do lixão, com abertura de acessos, drenagem e aterramento dos resíduos. Hoje, o lixo gerado pela cidade está sendo enviado para o aterro de Cachoeira Paulista. Uma das possibilidades é construir um aterro sanitário no local, mas seria necessário injetar R$ 5 milhões somente para que o empreendimento possa começar a funcionar. O lixo gerado pela cidade é pouco, não justifica um investimento desta magnitude”, explicou Carlos Minoro, engenheiro contratado pelo Santuário de Aparecida, admitindo que mesmo aterrada, a montanha de lixo continua tendo um impacto negativo sobre o meio ambiente. “O problema é que a prefeitura não colocou mantas para impedir o vazamento de chorume. Mas existe uma vontade política de resolver a situação, de assumir o passivo ambiental da cidade”, garantiu. O aterro de Taubaté é outro que foi interditado pela Cetesb em 2009. “O aterro até tinha licença, mas passou a ser mal operado e não podia continuar funcionando”, destacou Aruntho Savastano, da Cetesb. Hoje, a cidade paga para transportar seus resíduos até Tremembé. Também é o caso de Ilhabela, São Sebastião e Ubatuba, no Litoral Norte. Caraguatatuba envia seu lixo ao aterro de Santa Isabel. Totalmente saturados, os aterros das quatro cidades praianas foram fechados entre 2004 e 2008. Em 2007, a quantidade de lixo produzida diariamente pelos quatro municípios chegava a 225 toneladas. Cabe ressaltar que a população do Litoral Norte e, consequentemente, o volume de lixo gerada por ela, triplicam na alta temporada.
Saturação Mesmo que sejam adequados, todos os aterros sanitários têm o mesmo problema: estão fadados à saturação. Assim sendo, a grande questão é a seguinte: o que acontecerá quando não haverá mais espaço para construir novos aterros? Os que pensam que se trata de uma realidade muito distante estão enganados. “Já se pode constatar esta saturação do espaço na região metropolitana de São Paulo”, afirmou Aruntho Savastano. O aterro de São José recebeu recentemente uma licença para operar por mais 12 anos e não existe na cidade outra área viável para a recepção de um novo aterro. Ou seja, se nada for feito, o município terá de levar seu lixo para outro lugar em um futuro próximo. “Já fizemos as contas. O transporte do nosso lixo até o aterro de Tremembé custará à cidade entre R$ 70 mil e R$ 80 mil por dia”, alertou Miragaia. “Doze anos de vida útil é pouco. Queremos que o aterro de São José possa funcionar por mais 50 anos. Mas para que isso seja possível, precisamos reduzir o volume do lixo”, acrescentou, insistindo na importância da separação dos resíduos. Vale lembrar que menos de 17% dos 5.565 municípios do Brasil contam com serviço de coleta seletiva. “Em São José, a coleta seletiva atinge 90% da população. É uma das mais eficientes do país”, afirmou o secretário de Meio Ambiente. A solução mais usada no mundo para reduzir o volume de lixo é o tratamento térmico dos resíduos, uma técnica que ainda permite gerar energia. O tratamento é feito em uma usina de recuperação de energia, que funciona como uma termelétrica. “No entanto, ambas têm objetivos distintos: o da termelétrica é gerar energia, enquanto a meta principal da usina de recuperação é diminuir o volume de lixo”, ressaltou André Miragaia, revelando que várias empresas já apresentaram projetos à Prefeitura de São José. O único problema do tratamento térmico –além do custo– é que a queima do lixo libera efluentes nocivos na atmosfera. “A incineração de determinados plásticos, como o PVC, libera dioxina e furano, dois gases altamente cancerígenos”, lembrou o secretário. “É por isso que a separação do lixo é fundamental. É a chave do sucesso. A separação mecânica, por cálculo da densidade dos materiais, deverá ser feita pela usina de tratamento. Esta será uma das exigências que a prefeitura imporá à empresa que quiser trabalhar aqui”, explicou.
Compostagem Outra técnica utilizada é a compostagem, caracterizada pela obtenção de matéria orgânica, benéfica para o solo, através da decomposição controlada dos resíduos. O metano liberado pelo lixo em decomposição também pode ser recuperado para gerar energia. “No aterro de São José, o metano é captado e queimado. A próxima etapa é canalizar e armazenar este metano, para gerar energia com a combustão”, disse Miragaia. Outros procedimentos para redução de lixo são testados. É o caso da gaseificação, que consiste em colocar os resíduos orgânicos em um reator pressurizado e eliminá-los por meio de injeção de oxigênio e vapor numa temperatura entre 1400ºC e 2000ºC. De acordo com Sueleidy Prado, da ONG Vale Verde, uma empresa europeia apresentou às autoridades do município uma proposta neste sentido. Na teoria, a gaseificação é menos poluente que o tratamento térmico. Entretanto, como lembrou Savastano, da Cetesb, esta tecnologia ainda está engatinhando. “A gaseificação é um processo que vem sendo usado de forma laboratorial. Ainda não foi utilizado no tratamento de lixo em grande escala. Ao contrário, a eficiência do tratamento térmico é comprovada mundialmente. Existem hoje 800 usinas de tratamento térmico de resíduos em todo o planeta, a grande maioria no hemisfério norte. Juntas, todas estas instalações tratam 300 mil toneladas de lixo por dia”, afirmou. “Na teoria a gaseificação é uma tecnologia maravilhosa, mas nunca vimos sua aplicação na prática. Estamos atrás de exemplos concretos”, enfatizou André Miragaia. A necessidade de reduzir o volume de lixo para dar mais sobrevida aos aterros já existentes é clara, e deve ser objeto de um consenso nacional. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, que, entre outras determinações, responsabiliza as empresas pelo lixo produzido por elas, assenta as bases teóricas, mas resta saber se seus preceitos serão, de fato, aplicados. “Não podemos continuar jogando o lixo debaixo do tapete e repassando o problema para a geração seguinte. Não podemos ficar de braços cruzados esperando que todos os aterros fiquem saturados. Agora é hora de agir”, concluiu o secretário do Meio Ambiente de São José. •
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