Crack: no coração da cidade a vida em preto e branco
Em preto e branco. Assim se desenrola a vida dos habitantes de uma noite que boa parte da sociedade sergipana desconhece. Guetos escuros escondem uma verdade que hoje assola a humanidade. Logo ali, na região dos mercados centrais de Aracaju, uma triste paisagem domina o espaço. Usuários de crack se dopam em vielas, boates e pousadas aos olhos de todos. Mas apesar de nociva, a droga se transformou em um rentável comércio para os donos dos estabelecimentos locais. As pousadas antes procuradas para o sexo, hoje passam a ser pontos prioritários para os usuários de crack. A polícia confirma a informação e o delegado plantonista Augusto César, concorda com o apelido Cracolândia sergipana, hoje predominante naquela região.
Não precisa ser muito tarde. Antes mesmo das 9h da noite, já é possível ver a fumaça e as pequenas luzes dos cachimbos improvisados que dão vida ao crack. Para quem não tem opção qualquer lugar serve. E nas calçadas das ruas José do Prado Franco e Santa Rosa dúzias de pessoas iniciam um ritual que na maioria das vezes acaba em morte. Mas há quem prefira ambientes fechados e, para isso, um largo comércio se abriu. Pousadas deixam de servir aos prazeres do sexo para luxar com a escravidão das drogas.
“É verdade, o centro da cidade hoje abriga um largo comércio em prol do consumo de drogas. Fazemos operações constantes e sabemos que as pessoas agem assim. O problema é que clientes pagam para ter um espaço reservado. É nocivo, mas não há como invadir quartos privados”, esclarece o delegado Augusto César em entrevista ao Cinform Online. Ele relatou que as prisões no centro são constantes de pessoas vendendo o crack, mas essa é outra relação, porque quem vende não é quem frequenta as pousadas.
O delegado explica que hoje o crack alcança fronteiras largas e não é uma droga que predomine nas elites, mas por ser de baixo custo circula em todas as rodas. “No mercado há um grande problema porque, até meninos que fazem carrego vendem drogas. Os consumidores são de todas as classes e acaba havendo uma interligação entre tudo. Os que vendem algumas vezes estão ligados aos dons de pousadas que já tem um local cert o para os que compram que, por sua vez, são os usuários”, explica o policial.
Eu uso sim, e alugo a pousada por até um dia inteiro
O crack é agressivo, vicia até na primeira vez que é consumido, é composto de substâncias tóxicas e até de combustão, que por vezes envenenam o corpo e levam a morte. Isso já não é novidade. Mas que a busca pelo consumo é cada vez maior não há como mascarar. João Calos Vieira, nome fictício do advogado de 38 anos, que não permitiu ser identificado, disse que está viciado em crack, deixou o emprego há seis meses e não consegue sair. Na última quinta-feira, 18, ele estava em um bar nas imediações da Rua Santa Rosa, centro da cidade e disse que iria para uma pousada próxima onde ficaria a vontade.
Diferente das pessoas que estão lutando para deixar o vício, o advogado afirma que não pretende sair agora e confessa que já vendeu o que tinha para consumir a droga. “Eu já tenho permanente na pousada e vou pra lá e fico se quiser um dia inteiro. O dinheiro é meu e uso como quiser”, disse o usuário que hoje pesa 20 quilos a menos do que há dois meses e garante que não aceita opinião de ninguém, nem mesmo da mulher e dois filhos que abandonou. Assim como ele, à noite, outras pessoas circulam pela região dos mercados em busca de vagas nas pousadas, não, para o sexo, mas o uso do crack.
Apesar de a noite predominar na escolha dos usuários, o dia não é descartado, e muitos consumidores do crack usam as pousadas manhãs e tardes inteiras para o consumo da droga. Jorge Neto, o Jorjão, como é conhecido na região dos mercados, é gerente de um desses estabelecimentos e disse que aluga os quartos, mas não interfere na vida dos clientes. “Eu alugo quartos, o que as pessoas fazem lá não é da minha conta. Se usam drogas ou não é problema de cada um. Não permito que façam aqui, na frente do estabelecimento ou na recepção. Trancou a porta do quarto, não posso interferir”, afirmou Jorjão.
Infância adulterada
Há muitos intermediários que criam uma grande rede envolvendo o tráfico, a venda, a compra, o local para consumo e o uso desenfreado do crack. Essas pessoas são personagens comuns do cotidiano. Uma delas é J.R. Ele tem apenas 13 anos, é um menino magro, não é viciado, mas tem sustentado a família com o “emprego” que arranjou. Ele arranja clientes para as pousadas. “Eu falo com os “home e as mulhé”, que vem aqui pro mercado pra comprar droga. Pra ele não ficar nas rua, eu indico as pousadas. Pra isso ganho, ganho R$ 2,00 por cliente. Arranjo mais de 10 pessoas o dia todo, não é ruim”, conta o menino.
J.R, não está estudando e mal sabe escrever o nome. Deixou a escola há nove meses. Ele deveria estar em casa ou pelo menos na comunidade onde mora, no Conjunto Jardim em Nossa Senhora do Socorro, mas atualmente vive no mercado e dorme em um cantinho arranjado pelo gerente da pousada, que ele não revela o nome, para onde “presta serviço”. “Eu já disse que não vendo droga. Só arranjo gente pra usar na pousada”, assegura. Quando perguntado sobre seus pais, ele disse apenas que o pai está sempre bêbado e a mãe sai com os caras que arranja por aí.
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